Uma semana após aprovar a "mãe de todas as boiadas", atropelando as regras de licenciamento ambiental no Brasil e abrindo caminho para mais tragédias climáticas e bloqueios comerciais, o Senado protagonizou uma cena lamentável de relinchos e coices contra a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na Comissão de Infraestrutura, nesta terça (27).
Leonardo Sakamoto | UOL
Dessa forma, a casa revisora chancela que vê o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável apenas como nomes bonitos para serem citados em discursos. Na prática, o que segue tratado a pão de ló por lá é o progresso a qualquer preço — que, sob a justificativa de enriquecimento (rápido), expulsa populações tradicionais, escraviza trabalhadores, torna o ar irrespirável e apodrece a água.
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Marina foi chamada para discutir a criação de unidades de preservação marinha na costa de estados amazônicos - na esteira da exploração de petróleo da Margem Equatorial. Sabia que não teria uma audiência simpática a ela, pois, nesse tema, há membros da base do governo Lula que estão alinhados à oposição. Mas acabou se deparando com algo próximo a uma armadilha regada a machismo e misoginia.
Ela foi interrompida várias vezes. O presidente da comissão, Marcos Rogério (PL-RO), mandou que ela "se ponha no seu lugar", uma ordem tão machista quanto anacrônica que mulheres na vida pública ainda são obrigadas a ouvir. Vendo que não conseguia interrompe-la, disse que faltava a ela educação. "Você gostaria que eu fosse uma mulher submissa, e eu não sou", vaticinou Marina.
Plínio Valério (PSDB-AM), que já tinha dito que gostaria de enforcar a ministra, afirmou que ela não merecia respeito: "Olhando para a senhora, estou falando com a ministra, e não com uma mulher". Marina respondeu: "Eu sou as duas coisas".
"A mulher merece respeito, a ministra, não", concluiu o senador.
Como ele não se desculpou, Marina se retirou da sessão. A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) era uma das duas únicas senadoras mulheres presentes e saiu em defesa da ministra. O governo Lula, que costuma articular a presença de parlamentares para apoiar alguns de seus ministros em eventos no Congresso, não se preparou para isso. Ou não quis.
Mas pelo menos o Senado é coerente. Essa demonstração bizarra se segue à outra, com a aprovação por 54 votos a 13 do atropelamento do licenciamento ambiental. O projeto permite a emissão automática de licenças com base na autodeclaração do empreendedor, sem qualquer análise técnica prévia, com exceção de projetos de alto risco. Há dispensa para uma série de atividades agropecuárias, bastando o preenchimento de um formulário autodeclaratório sem qualquer verificação sobre impactos ambientais.
Sem falar do enfraquecimento de condicionantes ambientais para prevenir, mitigar e compensar impactos, a limitação da responsabilidade do empreendedor diante de danos, a renovação automática de licenças ambientais e a transferência para municípios e estados da decisão do que deve ser licenciado. Em suma, uma abertura de porteira.
O texto final acatou emenda sugerida pelo presidente da casa, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), para acelerar o licenciamento de empreendimentos classificados como estratégicos através de decreto do governo federal. Ou seja, para conseguir liberar a exploração de petróleo na costa amazônica do Amapá, o projeto vai acabar colocando em risco o restante do país.
O PL, que agora voltou à Câmara, se arrasta há anos no Congresso porque esperava o momento de um governo fraco politicamente e/ou leniente com a erosão de regras ambientais, uma base governamental alinhada a determinados setores econômicos e uma oposição que não vê problema em abraçar golpe, neste caso, contra o futuro.
Políticos argumentam que sua aprovação foi uma derrota para a ministra Marina Silva, tanto quanto a sessão de hoje. Não, elas foram porradas na qualidade de vida do país a serem pagas por esta e pelas futuras gerações.
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