'Contrato de propina', celular em forro e taxa de 6%: entenda o suposto esquema que desviava emendas de hospital no RS

PF cumpre mandados nesta quinta; assessor do deputado Afonso Motta (PDT-RS) está entre alvos. Empresa era citada como responsável por 'captar dinheiro' e recebia parte da verba como 'contrapartida'.


Por Camila Bomfim, Márcio Falcão, Vladimir Netto, Isabela Camargo, Mateus Rodrigues, César Tralli e Kevin Lima | g1

A Polícia Federal deflagrou nesta quinta-feira (13) uma operação sobre desvio de dinheiro público federal de emendas parlamentares. Os mandados foram autorizados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino.

Dinheiro apreendido em operação contra desvio em emendas — Foto: PF/Divulgação

Durante a investigação, a PF identificou até um "contrato de propina" formalizando o suposto esquema de corrupção (veja detalhes abaixo).

A investigação envolve emendas destinadas pelo deputado Afonso Motta (PDT-RS) ao Hospital Ana Nery, de Santa Cruz do Sul (RS).

Motta é citado no inquérito, mas não foi alvo da operação – a PF ainda investiga se ele tinha conhecimento do suposto esquema. O chefe de gabinete do deputado e outros suspeitos foram alvos de buscas.

Em nota, o deputado disse ter sido surpreendido pela operação e afirmou que buscaria mais informações antes de comentar o caso.

O suposto esquema

A decisão assinada por Flávio Dino afirma que a representação da PF descreve o esquema criminoso "ao longo de mais de 100 páginas", incluindo prints de conversas e o tal "contrato da propina".

"[...] aponta a autoridade policial a existência de uma organização criminosa que direcionava emendas parlamentares e se apropriava de parte desses recursos públicos", diz o despacho.

Segundo a investigação, o grupo agia para destinar emendas parlamentares ao Hospital Ana Nery, de Santa Cruz do Sul (RS) – mas, em troca, cobrava um percentual dos valores repassados à instituição.

Conversas sobre esse repasse, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), foram encontradas no celular do lobista Cliver Fiegenbaum.

A empresa dele, ACF Intermediações, foi contratada pelo hospital para viabilizar o envio dessas emendas. A comissão de 6%, segundo a PGR, constituiria uma vantagem indevida.

Segundo a PGR, há indícios na investigação de que:
  • as emendas foram efetivamente enviadas ao Hospital Ana Nery;
  • a unidade de saúde realizou pagamentos a uma empresa no nome de Cliver Fiegenbaum.

O g1 tenta contato com Fiegenbaum.

A empresa de captação

De acordo com as investigações, a CAF Representação e Intermediação de Negócios foi contratada pelo hospital Ana Nery para pleitear as emendas que seriam enviadas ao hospital.

O dono, Cliver Fiegenbaum, é descrito pela PGR como "lobista" que atuava em Brasília em favor do hospital.

O inquérito lista três notas fiscais emitidas pelo hospital em nome da CAF entre 2023 e 2024 – que, somadas, indicam pagamentos de R$ 509,4 mil à intermediadora.

O serviço é descrito nas três notas como "Referente captação de recursos através de indicações de emendas parlamentares".

Ao todo, o hospital recebeu R$ 1,07 milhão em três emendas do gabinete de Afonso Motta (PDT-RS) em 2023 e 2024.

Dois desses repasses, de R$ 200 mil cada, iam originalmente para outras entidades:
  • o Fundo Municipal de Saúde São Miguel das Missões/RS;
  • e a Fundação Universitária de Cardiologia, que gerencia o Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul.

As emendas foram alteradas, no entanto, e o dinheiro foi transferido para o hospital Ana Nery – gerando "comissões" para a CAF Representação e Intermediação de Negócios.

O 'contrato da propina'

O "contrato da propina" citado pela Polícia Federal é justamente o contrato de prestação de serviços entre o hospital e a CAF.

Pelo contrato, a empresa de "intermediação" convencia os parlamentares a enviarem emendas para o hospital. E, em troca, recebia uma comissão com base no valor da emenda destinada.

'Em contrapartida aos serviços prestados, o Contratado receberá 6% (seis por cento) sobre o valor por ele comprovadamente captado, que serão pagos em até 30 dias após o recebimento do valor pela Contratante, através de depósito bancário em conta jurídica informada pelo Contratado, mediante apresentação da correspondente nota fiscal", diz uma das cláusulas.

Os alvos das buscas

Ao todo, Dino autorizou buscas em 13 endereços residenciais e comerciais, nos nomes de:
  • Cliver Andre Fiegenbaum, dono da CAF Intermediações;
  • Lino Furtado, chefe de gabinete do deputado Afonso Motta – endereços em Brasília e Rosário do Sul (RS);
  • Leandro Diedrich;
  • Celcio da Silveira Junior;
  • Gilberto Antônio Gobbi;
  • Agnaldo Machado Ferreira – endereços residenciais e comerciais;
  • Carlos Danilo Wagner – endereços residenciais e comerciais;
  • e no hospital Ana Nery, em Santa Cruz do Sul (RS).

"Autorizo de imediato a apreensão de aparelhos celulares e computadores que estejam na residência ou local de trabalho dos investigados (especificados na tabela acima) ou em sua posse, sendo permitido o acesso ao conteúdo dos aparelhos com a preservação da integridade de dados, cadeia de custódia digital e com a utilização de código hash", diz a decisão de Dino.

"Quanto ao Hospital Ana Nery, em se tratando de prestador de serviço essencial, devem ser apreendidos apenas os computadores estritamente necessários à elucidação do fluxo contábil e financeiro", segue.

Dino também determinou que Lino Furtado seja afastado do gabinete de Afonso Motta, e Cliver Fiegenbaum, do cargo que ocupa na Metroplan, vinculada à Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano do Rio Grande do Sul.

O ministro também bloqueou R$ 509 mil em contas e bens dos investigados.

O que dizem os citados

Em nota, o deputado Afonso Motta diz que foi "surpreendido" pela operação e busca entender o inquérito.

"O deputado Afonso Motta sustenta que nem ele nem o gabinete foram alvos da operação da PF. O parlamentar afirma que foi surpreendido e que está buscando acesso aos autos, para entender o que é investigado e se posicionar", diz o comunicado.

O hospital Ana Nery reafirmou, também em nota, "seu compromisso com a transparência, a integridade e o pleno cumprimento das normas legais".

"Na manhã desta quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025, a instituição tomou conhecimento, com surpresa, da operação EmendaFest. Desde então, tem prestado total colaboração às autoridades, fornecendo prontamente todos os documentos solicitados e colocando-se à disposição para contribuir com o esclarecimento dos fatos", diz a unidade.

"O Hospital Ana Nery reitera seu compromisso com a ética e a legalidade e seguirá colaborando com as investigações para que sejam conduzidas com a máxima celeridade e transparência", prossegue.

O g1 tenta contato com os outros citados.

Dinheiro apreendido e celular em forro

Até as 9h, a Polícia Federal já tinha encontrado e apreendido R$ 160 mil em dinheiro vivo com alvos da operação, incluindo o assessor de Motta.

Um funcionário do hospital que receberia a emenda e um terceiro envolvido, ainda não identificado, também estariam com parte desses valores.

Em um dos endereços, a Polícia Federal também encontrou telefones celulares escondidos no forro de um dos cômodos.

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