Anápolis (GO) tem 398 mil habitantes. Associação Moriá disse, em documento, que beneficiou quase 10 vezes mais do que o número de moradores
Isadora Teixeira | Metrópoles
O atestado de capacidade técnica apresentado ao governo federal pela Associação Moriá, destinatária de R$ 53,3 milhões em emendas de parlamentares do DF, diz que a entidade atendeu 3,5 milhões de crianças e adolescentes em Anápolis, município de Goiás que tem 398 mil habitantes de todas as faixas etárias.
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Reprodução |
Uma das exigências para receber a verba destinada por parlamentares é a apresentação do atestado de capacidade técnica, que, no caso da Associação Moriá, resumiu-se a uma autodeclaração assinada pelo presidente da entidade, Gustavo Henrique Fonseca de Deus. A ONG conseguiu o sinal verde para movimentar dezenas de milhões de reais a partir de um documento com a informação flagrantemente falsa.
Parlamentares do DF enviaram R$ 46 milhões do total das emendas destinadas à ONG, entre 2023 e 2024, para projeto que ensina jovens a jogar games, como Free Fire, Valorant, LoL, Teamfight Tactics e eFootball, e faz torneio entre os participantes.
Veja quem enviou emenda para o projeto gamer no DF, entre 2023 e 2024:
- deputado federal Fred Linhares (Republicanos): R$ 27,6 milhões;
- senador Izalci Lucas (PL): R$ 15,5 milhões;
- deputada federal Bia Kicis (PL): R$ 1,5 milhão;
- deputado federal Julio Cesar (Republicanos): R$ 800 mil; e
- deputada distrital Paula Belmonte (Cidadania): R$ 500 mil.
Para comprovar que teria capacidade de executar o programa de jogos on-line, a entidade elencou quatro projetos realizados por ela anteriormente, dos quais três foram feitos em parceria com a Prefeitura de Anápolis e um com o Ministério da Cidadania.
Segundo o atestado de capacidade técnica da própria instituição, foram atendidas “mais de 3,5 milhões de crianças e adolescentes em todas as regiões de Anápolis”, em um período de três meses, no ano de 2019. O documento consta em todos os processos decorrentes das emendas para o projeto gamer, conforme informações do site Transferegov, do governo federal, desde 2022.
Essa quantidade de beneficiários que a Associação Moriá diz ter atendido entre outubro e dezembro de 2019, em Anápolis, é maior do que o número de moradores de todo o Distrito Federal, que tem 3 milhões de habitantes.
Nas fotos que acompanham o atestado de capacidade técnica, aparecem grupos pequenos de jovens praticando esportes.
Do total de R$ 46 milhões que os parlamentares do DF enviaram para o projeto gamer, já foram efetivamente pagos R$ 8 milhões, de acordo com o Portal da Transparência do governo federal. O restante do valor foi empenhado, ou seja, o recurso já está reservado para a despesa.
O ministro Flávio Dino determinou, nessa quinta-feira (17/7), a intimação da Advocacia-Geral da União (AGU) e das advocacias-gerais da Câmara e do Senado para explicarem o repasse de emendas parlamentares milionárias à Associação Moriá, após reportagem do Metrópoles revelar que a ONG registrou como diretores um motorista e uma esteticista. A entidade também não funciona no endereço informado oficialmente aos órgãos públicos.
Dino assinalou, no despacho, que os fatos revelados na reportagem podem impedir o pagamento das emendas parlamentares.
“Caso confirmados, os fatos relatados na reportagem evidenciam novas irregularidades relacionadas à entidade Associação Moriá, incompatíveis com os preceitos constitucionais da transparência e da rastreabilidade (art. 163-A da CF) e caracterizadoras de impedimento de ordem técnica, na forma do art. 10 da Lei Complementar nº 210/2024, os quais impedem a execução de emendas parlamentares”, escreveu o ministro.
A Associação Moriá já tinha entrado na mira do STF por falta de transparência sobre a execução das emendas parlamentares. Em fevereiro, a entidade teve repasses suspensos. Os pagamentos foram liberados após a ONG publicar dados sobre os recursos no site próprio.
O ministro do STF relator das ações que tratam das emendas parlamentares continua acompanhando o plano de trabalho apresentado pelo governo federal e Congresso Nacional, o que inclui a fiscalização das entidades beneficiadas.
Dino deu prazo até 12 de agosto para que os órgãos comprovem a adoção de medidas normativas para a adequada destinação de recursos a entidades dessa natureza, “de modo a evitar que sejam beneficiadas entidades sem sede realmente em funcionamento e/ou sem corpo técnico; entidades que não tenham comprovada atuação na área alcançada pela emenda parlamentar; entidades sem atuação anterior no Estado alcançado pela emenda parlamentar”.
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